quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Não olhe agora, mas...





... o Milton Nascimento está atrás de você.
- Aqui no teatro?!
- É. Sentou-se discretamente na última fila, na sua diagonal esquerda.
- O que eu faço agora? Olho?
- Olha, discretamente.
- Discretamente!? Deixa ver se eu entendi. O Milton Nascimento está sentado atrás de mim no teatro e eu tenho que fingir naturalidade?
- Não sabia que você era tão fã dele.
- Não sou "tão fã". Mas o Milton Nascimento não anda por aí... Você já ouviu alguém comentar que tenha encontrado, visto, esbarrado no Milton Nascimento?
- É. Ele é bem na dele. Mas você vê tanto artista no seu trabalho...
- Mas não vejo o Milton Nascimento.
- É... Ele não caminha no calçadão de Ipanema, nem bebe chopp na Gávea.
- E a gente vai ficar fingindo que é a coisa mais natural do mundo sentar-se ao lado do Milton Nascimento no teatro? Não é normal isso.
- Mas aqui no Rio ninguém liga muito.
- Carioca é meio blasé
- Você já tietou alguém na rua?
- Já. Encontrei a Dona Ivone Lara num samba da Lapa e fui dizer para ela que minha mãe me botava para dormir ao som de "Sonho meu". Abracei, beijei, tirei foto.
- Ela gostou?
- Pareceu ter gostado. Outra vez tietei um jornalista que admirava e foi péssimo. Ele só fez dizer: "Ah, tá". Nem famoso era.
- Chato
- Horrível. Me senti uma otária. Um diretor de cinema obscuro uma vez destratou uma amiga minha que se aproximou para elogiá-lo. Pode isso?! Mas tive outras tietagens bem recebidas.  Tietei a escritora Stella Florence por email e, depois de tanto nos correspondermos, ficamos amigas. E, no trabalho, não resisti e pedi para tirar foto com artista: com Renato Aragão, Sidney Magal e Carminha.
- Quem é Carminha?
- Adriana Esteves!
- (risos) ahhhhh - Uma vez fui a uma pré-estreia de filme e o Caetano Veloso sentou-se ao meu lado. Confesso que custei a prestar atenção no filme.
- Por que você não pediu para tirar uma foto com ele?
- Fiquei sem graça. Todo mundo fingindo que o Caetano não era nada demais e só eu ia bancar o deslumbrado?

Eu gostaria de ter dito ao Milton que estava deslumbrada. Que a voz dele é linda, que nos anos de faculdade eu fechava os olhinhos para cantar emocionada as letras de suas músicas nas rodas de violão.... mas respeitei a escolha que ele fez ao se sentar discretamente no fundo do teatro.

Existe um interesse pelos famosos em geral, tudo bem, mas isso é só curiosidade. Estou falando da emoção de estar diante de uma pessoa que não te conhece, um estranho, distante, e que tem tanto a ver com a sua vida! Acho que isso só acontece através da Arte. A música, o teatro, o cinema, a televisão, as artes plásticas, os esportes até! Aproximam as pessoas e fazem com que tenhamos afeto por quem produz coisas tão bonitas. Deve ser isso.